O que está embaixo é como o que está em cima,
o que está em cima é como o que está embaixo

Esta é uma exposição que resulta da investigação sobre possibilidades poéticas desta matéria misteriosa que é o vidro. Matéria que se esconde em sua quase invisibilidade …, mas é palpável. Feita da transformação da sílica (areia, lava vulcânica…) pelo calor e rápido resfriamento. Transparência, dureza, impermeabilidade e… fragilidade. Sua descoberta remonta a milhares de anos e emula a prática alquímica da transfiguração de materiais.

Patrícia Bagniewski escolheu o vidro como suporte e matéria de sua pesquisa artística. Buscou aprender a mágica da transformação (em Londres, no Japão ou na ilha do vidro, Murano, em Veneza, onde esteve várias vezes). Buscou sua história e sua simbologia. Buscou a ciência e suas surpreendentes constatações, como a da descoberta das diatomáceas, organismos meio orgânicos (algas unicelulares), meio inorgânicos (cristais), ou da estrutura microscópica da areia (material que está ligado à versão da descoberta  do vidro). Recorreu à psicologia analítica de Carl Gustav Jung e à história da alquimia, onde encontrou-se com o filósofo Hermes Trimegisto, cuja segunda lei hermética, a da correspondência, dá nome à mostra…

Do vidro, de sua transparência, Patrícia fez uma série de inusitados objetos banais que, em uma subversão, passaram a ocupar almofadas de veludo, joias improváveis. Fez também lindas paisagens. Fez experimentações. Entre os ‘objetos’ surgiu a coroa de Cristo em vidro transparente, reproduzindo parte do caule daquele arbusto comum, com pequenas flores vermelhas, utilizado como cerca viva. E com ele surge a incontornável referência à nossa  religiosidade pela via do cristianismo.

 O objeto comum, na abordagem da artista, desencadeia o pensamento sobre a simbologia escondida na nomeação popular… e daí surge o conjunto de obras que vemos agora.

A instalação Sublimação/Coagulação, onde a mão em vidro (que foi modelada na da própria artista) dirige-se à circularidade do metal e à translucidez da planta, representa ao mesmo tempo um objeto composto e uma ação. Os elementos se encontram dentro de uma redoma, apartados do mundo. Partindo de tal objeto, espalha-se a série de espelhos circulares que têm gravadas, em sua superfície, as sombras produzidas pelos pequenos caules espinhosos, todos colocados sobre a parede. Por reflexão, somos capturados para dentro da obra. À sua frente, suspensas, estão algumas peças em vidro da coroa de cristo que se repetem refletidas nos espelhos e projetam sua sombra sobre o conjunto. A repetição da peça-símbolo funciona como uma pontuação da narrativa da obra. Estabelece um ritmo para a sua leitura.

 Os espelhos também recebem a versão da Sopa Primordial (em torno da criação pelo viés da ciência), concebidas por Patrícia, associados aqui, por proximidade e espelhamento, ao símbolo cristão (paradoxalmente).

As 30 Petris expostas têm, como base, as placas homônimas, tão comuns no laboratório como bases transparentes que recebem a matéria a ser revelada pelo microscópio. Composições de vidro e metal unidas por imãs (mini assemblagens de possíveis mecanismos delirantes) elas têm uma organização, na parede, que de certa forma cria uma sentença (ecoando talvez os aforismos de Trimegisto).

Os três ATOS, que se tornam quatro, a partir da performance da artista, na abertura  da mostra, (e que permanece instaurado, ao longo da exposição), são a sua mais nova pesquisa. As obras são compostas por intricada associação de placas de petri + placas e fios de latão + formas irregulares de vidro, com estrutura semelhante à dos espinhos, ambos criados a partir de cilindros/pipetas aquecidos e lindamente deformados. Isso tudo sustentado é  por  ímãs e fios, instáveis, potencialmente mutáveis, moventes porque soltos no espaço e completados pelos desenhos de sombras que projetam na parede… fantasmagóricos.

Ao lado do espaço destinado à performance, tem-se um vazio só preenchido pela projeção de um vídeo de conformação circular (como não a associar à experiencia da pesquisa microscópica super amplificada?).  Nesse vazio e na penumbra,  é quase uma lua. Mas uma lua como aquela de Bertold Brecht que comparece na absorção catártica da cena como uma instância de realidade… Lá onde nós estamos.

Três gravuras completam a mostra. Três representações bidimensionais da sombra dos ATOS.

Afinal não é a luz e a sombra o que constitui esta mostra?

Marilia Panitz, curadora

© Fuzja Studio - 2017